sábado, 2 de abril de 2011

Bagunceiros no Divã

Bagunceiros no divâ
PSICOTERAPIA ALIA ATENDIMENTO NO CONSULTóRIO A "DELIVERY" DE ARRUMAçãO DE QUARTOS Após seis sessões "delivery", Amanda terminou a arrumação de seu quarto bagunceiros no divã por Ocimara Balmant O uniforme para as aulas de boxe fica jogado num canto, a camiseta vira uma pelota amassada em cima da cama, os tênis formam uma trilha quase intransponível, o trabalho da escola some entre as roupas esparramadas e o carregador do celular fica dias sem ser encontrado. O dono da bagunça é Bruno Nascimento. Ele tem 18 anos, está no segundo ano do ensino médio e acha que não consegue se concentrar nos estudos porque seu quarto é uma desordem. é quando entra em cena a psicoterapeuta Celi Piernikarz, 53. Bruno é um dos pacientes que, além da tradicional psicoterapia realizada no consultório, conta com um atendimento personalizadíssimo: o "delivery" de organização profissional. "Percebi que grande parte da desordem emocional dos adolescentes é relacionada à dificuldade que têm de se organizar", relata Celi, idealizadora do serviço. "Se eles arrumam o quarto, fica mais fácil organizar a cabeça. é uma reestruturação cognitiva." A nova modalidade de tratamento para bagunceiros é oferecida desde o começo deste ano. Não se trata de uma simples faxina, nem de decoração. . No atendimento domiciliar, atuam três profissionais: uma assistente social, uma psicóloga e uma pedagoga. São elas que vão até a casa do paciente. A psicoterapeuta atende apenas na clínica, "para não misturar a terapia com intimidade". Foi no final de uma tarde de quinta-feira que Bruno recebeu, no apartamento de três dormitórios que divide com a avó, em Moema, a primeira visita de Marli Hercowitz, 56, assistente social. "Você precisa ter seu espaço", foi a primeira dedução da profissional, após olhar para as peças de decoração e para os casacos femininos que ocupavam boa parte do armário do quarto do adolescente. Seguiram-se algumas recomendações com base nos princípios do Feng Shui. Os olhos de Bruno brilhavam a cada frase do tipo "Livre-se da bagunça que ela afeta sua energia" e "Se o lugar é bagunçado, seus objetivos também ficam perdidos". é a primeira vez que ele põe a mão na massa. "Quando eu era criança, ia andando, jogava o tênis pelo caminho e alguém pegava", lembra ele, que até os dez anos de idade tinha babá, empregada e motorista. "Nunca me ensinaram a colocar de volta." Marli está ensinando. Até agora foram três visitas. As roupas que não eram dele já não estão por lá, a papelada escolar começou a ser organizada e, até o final do tratamento, pretendem chegar a uma nova disposição dos móveis no ambiente, inclusive com a possibilidade da aquisição de um laptop, sugestão de Marli. A conta do aprendizado não sairá por menos de R$ 600. O sonho do garoto é ter um quarto como o de um amigo de infância, com tudo etiquetado e disposto em prateleiras. Esse foi o "milagre" que Marli realizou no quarto de uma outra paciente, a estudante de fisioterapia Amanda Oliveira dos Santos, 21, moradora dos Jardins. Antes da terapia, fazia meses que ela dormia no sofá da sala. O quarto estava intransitável. Tropeçava-se na bagunça espalhada pelo chão, cama e prateleiras. Foram seis sessões de arrumação. Cinco sacos lotados de roupas para doar. Armário com peças organizadas por cor. Divisórias forradas com papel lilás. Caixinhas da mesma cor para organizar os cosméticos e a maquiagem. "Arrumar o quarto me ajudou na faculdade e no relacionamento com a minha mãe e com a minha irmã", afirma Amanda. "Já o meu namorado foi embora, porque também fazia parte da bagunça." Dois meses após o término do tratamento, nem tudo continua no lugar no quarto de Amanda. A cama passa até dois dias sem ser arrumada. O pufe começou a acumular algumas roupas. Os cosméticos não estão mais dentro da caixa organizadora. "Tem dia que fica como antigamente, mas agora eu sei onde estão as coisas", diz Amanda, que continua no divã. é o que Marli chama de "funcionalidade da organização". "Tem de deixar o ambiente prático e sob medida para cada perfil", explica ela, que, ainda em setembro, fará a segunda visita de manutenção ao quarto de Amanda. Faz parte do tratamento, após as sessões de arrumação, dois encontros complementares para que o paciente não desista de manter a ordem. Um tratamento no mínimo inusitado e polêmico. "Eu vejo o quarto como representação, como tudo na vida", diz Miguel Peroza, terapeuta de adolescentes e professor de psicologia da PUC-SP. "Mas, arrumação paralela à terapia, isso eu nunca vi." Como a terapia procura ajudar o jovem a entender o que ele está vivendo, a bagunça pode ou não sentar no divã. No balanço de Celi, o atendimento conjugado tem dado certo. "O retorno que tenho das escolas, dos pais e dos próprios adolescentes é de que a mudança de comportamento tem sido visível." A mãe de Amanda, a advogada Martha Rocha de Oliveira, 58, já tinha desistido de fazer a filha arrumar a própria bagunça. "Ela não ouvia. Precisava que alguém lhe desse a mão", diz a mãe, que terceirizou a tarefa e está feliz, mesmo com as recaídas. "Mudou a energia do quarto. Dá até para bater papo lá."
fonte: Revista da Folha

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