sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Sujar em brincadeiras livres pode ser saudável


Limpar a casa constantemente, lavar os pratos na máquina e manter distância da terra do campo influem na saúde de seus filhos
(Baseado na matéria publicada em 15/04/2015, pelo jornal El País/Brasil)

Neste artigo há detalhamento de uma pesquisa realizada na Suécia, com criança que sofriam de alergias. Os resultados são muito interessantes para avaliarmos a necessidade de equilíbrio. A limpeza é importante, mas no mundo moderno chegamos a tal ponto de higienização que acabamos criando problemas de imunidade. Aqui repassamos alguns trechos, a matéria completa você pode ler no link ao final da página.

Vistos de longe, os objetivos da pesquisa poderiam parecer absurdos. Cientistas do departamento de alergologia do hospital de Gotemburgo, na Suécia, escolheram mais de 1.000 crianças e mandaram uma série de perguntas a seus pais. Algumas delas buscavam saber se eles sofriam de algumas das alergias mais comuns: asma, eczema, rinite ou conjuntivite. Até aí, nada de estranho, considerando a origem de seu interesse. Mas depois perguntaram algo mais surpreendente aos pais: usavam máquina de lavar louça ou lavavam os pratos à mão? A pergunta parecia não fazer sentido, sem falar que as máquinas são mais eficientes na lavagem da louça.

Mas os pesquisadores tinham partido com uma ideia na cabeça, e os resultados confirmaram o que eles já intuíam: as crianças que viviam em casas sem lava-louças tinham aproximadamente metade do risco de sofrer alergias que as crianças das casas mais modernas. Não apenas isso: o risco diminuía ainda mais se consumiam alimentos fermentados e se seus pais costumavam comprar alimentos diretamente de fazendas. Em outras palavras, as casas extremamente assépticas geravam um efeito paradoxal: aumentavam a probabilidade de anular as defesas das crianças. É o que se conhece como “a hipótese da higiene”. E era justamente essa a premissa inicial dos pesquisadores.

A importância de ter irmãos
A hipótese da higiene nasceu em 1989. Nesse ano, o epidemiologista inglês David P. Strachan, depois de estudar mais de 17.000 crianças, concluiu que o fator que mais protege as crianças contra sofrer de rinite alérgica é simplesmente ter irmãos maiores. Uma das melhores definições da suspeita aparece no final desse estudo: “O aparente aumento das doenças alérgicas poderia ser explicado se elas foram prevenidas por infecções na primeira infância, transmitidas por um contato pouco higiênico com irmãos maiores ou adquiridas antes de nascer. Ao longo do século passado, a redução do tamanho das famílias, o aumento das conveniências no lar e a elevação dos padrões de higiene pessoal reduziram as possibilidades de as infecções serem transmitidas na família. Isso pode ter propiciado o aumento das manifestações clínicas das alergias.”
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Um conjunto de defesas
O mecanismo parece residir na proporção de nossas defesas. Entre o exército de células que nos protege estão os linfócitos, as células que produzem anticorpos. Mas nem todos os linfócitos têm essa função. Como os escalões no exército, também aqui os papéis são divididos. Alguns, os chamados “colaboradores”, participam regulando a batalha; eles atuam de certo modo coordenando as respostas.

Entre eles, também há dois grupos diferentes. O primeiro reage sobretudo contra vírus e bactérias. O segundo tende a se dirigir principalmente contra outros parasitas, como os vermes, de modo que essa resposta se parece muito com a das reações alérgicas. O que se viu é que as crianças que viviam em ambientes mais “limpos” tinham mais linfócitos que o normal do segundo grupo e, por isso, tendiam a ter mais alergias. De alguma maneira, o contato precoce com os microorganismos “treinava” o exército imunitário para ter as proporções corretas em cada divisão.
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Para esse especialista, o artigo sobre o uso de lava-louças é um estudo simples, não um trabalho chave, “mas representa mais uma peça que se encaixa no quebra-cabeças”. Alguns cientistas, porém, questionam se a hipótese da higiene é realmente tão ampla e importante quanto se sugere que seja. Eles se agarram a fatos como a diminuição da proporção de asmáticos em países desenvolvidos, sem que isso seja acompanhado de uma redução nas medidas de higiene. Guarner discorda. “O que vemos é que, de modo geral, os índices de asma continuam a subir. E já se confirmou que inclusive migrantes de países pobres para países mais desenvolvidos passam a ter maior risco de alergias e doenças autoimunes.”

Em busca do meio termo
O microbioma é o conjunto de microorganismos que nos povoam constantemente sem nos causar nenhum tipo de dano. E esses microorganismos não são poucos. Para cada célula humana temos até dez bactérias, cumprindo funções das mais diversas, e muitas vezes fundamentais. Entre elas está precisamente o treinamento do sistema imunológico. Mas estamos pouco a pouco perdendo a diversidade. “A introdução dos antibióticos e de novos métodos de esterilização fez com que hoje estejamos colonizados principalmente pelos microorganismos mais resistentes”, explica Guarner. “O sistema de defesa evoluiu para identificar e reconhecer aquelas que eram velhas amigas, mas agora ele se equivoca muito mais e se tornou mais intolerante.”

Isso não quer dizer que seja preciso renunciar a todos os avanços de higiene conquistados. “Por isso não gostamos do nome de ‘hipótese da higiene’”, observa Guarner, “porque evitar as patologias obviamente não é algo negativo. Não devemos retroceder.” Então como combinar as vantagens de ambos os mundos? Uma possibilidade que vem sendo estudada é tomar probióticos, organismos que melhoram a diversidade perdida. Mas ainda estamos muito distantes de uma solução. Enquanto isso, Guarner aconselha “não abusar da esterilização quando não houver um foco patógeno na família” (isso significa que, enquanto não houver um doente em casa, não é necessário lavar os têxteis com alvejante –com sabão e por motivos estéticos é o bastante- nem ferver as chupetas dos bebês). Guarner acrescenta algo que quase todo o mundo reconhece intuitivamente: “Convém aumentar o contato com a natureza”. Sujar-se no campo fortalece a saúde.